quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Epistaxe

Fato verídico ocorrido no meu último plantão.

Definitivamente eu não sou o médico mais ortodoxo que conheço...
Uma jovem foi ao atendimento de emergência ontem à noite com queixa de 2 episódios de sangramento pelo nariz (chamamos isso de epistaxe). Não estava tendo sangramento no momento.
Sem história de hipertensão, uso de medicamentos, uso de drogas...
Sem anomalias à inspeção visual das narinas.



Expliquei que a encaminharia para um otorrinolaringologista para uma melhor intestigação. Ela me perguntou o que fazer quando o nariz voltasse a sangrar, e quais os prováveis motivos para um sangramento nasal.

Comecei uma pequena palestra. Expliquei que hemorragia nasal é muito frequente devido à intensa vascularização da mucosa nasal (triângulo de Kiesselbach).  Que em 90% dos casos de epistaxe podem ser resolvidos facilmente aplicando-se em ambos os lados do nariz uma pressão firma e contínua acima das narinas, estando o paciente com a cabeça inclinada para frente. Que um otorrino ao identificar o local do sangramento pode utilizar de instrumentos que cauterizam a lesão impedindo novos sangramentos.

Sobre as causas, falei sobre as espontâneas, ocorridas em espirros fortes, crises de tosse, ao assoar o nariz..., os traumatismos auto-inflingidos (cutucar o nariz com o dedo),  fraturas, traumatismos intra-cranianos, hipertensão, causas inflamatórias, inalação de substâncias químicas, uso de cocaína, uso de anticoagulantes, tumores, mudança de pressão (mergulho, viagens aéreas, subir a serra), variação da umidade do ar (meses mais secos), vasculopatias, doenças sanguíneas (hemofilia, púrpura, leucemia, coagulopatias...), e então fiz um silêncio, olhei fundo nos olhos dela e disse:

- "Tem mais uma causa... não sei se eu deveria falar isso, mas eu vou falar. Implante de sondas alienígenas através das narinas."
Seguiu-me mais um instante de silêncio, eu muito sério, e a paciente começou a rir de nersoso e perguntou:
- O senhor está falando sério?
- Claro! Você esteve viajando recentemente...?
- Não! E eu durmo com a janela fechada!
- Ahannn... está vendo? Até você admite a possibilidade de abdução!
- É... não... não acredito nisso... mas pode mesmo ser verdade?
- Calma... vamos fazer uma radiografia. Se tiver algo aparecerá!
- O senhor estuda essas coisas?
- Sim! Estudo! Existem alguns casos no mundo!
- Mas acredita em vida extra-terrestre?
- Claro! Não há mais como contestar a visita de seres de outros planetas! Já sabíamos disso e agora os governos abriram seus arquivos sobre avistamentos confirmados.
- Mas  senhor lê a bíblia, não lê?
(Não entendi o contexto da pergunta, eu confesso...)
- Leio! Fique tranquila. 
- Ahhhh bom...

Solicitei a radiografia de crânio e dos seios da face. Quando a paciente voltou, mostrei a ela:
- Está vendo? Nada de diferente na sua estrutura óssea... e nada de sondas. Ela riu alto e suspirou fundo, aliviada.

4 comentários:

Garota do Blog disse...

Extraterrestres! \o/ E Viva a eles! Hehehe

Pim disse...

Me permite uma crítica construtiva, Thiago? Se sim, leia abaixo; se não, bem... Não leia rs.

Seu relato é muito bem descrito, a cena da consulta formou-se diante dos meus olhos, ou seja, literariamente o texto está muito bom! Entretanto achei sua postura como médico ético - e me desculpe dizer isso -, neste caso, altamente questionável.

Dou plantões no Hospital das Freiras em São Gonçalo e pude aferir o quão ignorantes e crentes na nossa palavra são os que procuram o sistema de saúde público. Os seus pacientes da UPA não são diferentes dos meus em São Gonçalo: são pessoas simples, sem estudo, trabalham desde cedo, não tem tempo, dinheiro ou desejo de grandes ou edificantes lazeres; são como as pessoas que trabalham nas casas/escritórios da classe média brasileira.

Pareceu-me que, ao tentar descontrair durante a consulta, e incutir algumas de suas crenças, tu errou a mão e fez um terrorismo gratuito (mesmo que inconsciente) com a paciente.

Sendo eu uma pessoa simples e sem condições financeiras, se um rapaz médico, com no mínimo 10 anos de estudo a mais que eu, diz que há aliens, sondas ou hobbits, eu acreditaria! É diferente d'eu falar, por exemplo, como fiz no plantão da sexta passada, pra uma recém viúva pra ela sorrir e melhorar logo (dos sintomas conversivos) porque o marido dela não gostaria de vê-la assim lá do céu... Assim ela gracejou, descontraímos, coloquei uma vaga ideia de vida após a morte na cabeça dela, e ela notadamente ficou mais tranquila.

Devemos, e tu sabe disso melhor que eu, nos ajoelhar ao nível daqueles cujas vidas confiam na nossa capacidade intelectiva. É como fazemos na Pediatria para conquistar um infante: ajoelhamo-nos à altura dos seus olhos e falamos tête-a-tête. Ao perceber que ela não entendeu a brincadeira como tal e começou a ficar nervosa com a possibilidade da tal sonda estar nela, ou dela encontrar-se com seres extraterrenos, seria mais prudente tu assumir a intenção falha e retornar à consulta mais séria.

Atenção, Thiago, atenção, querido.

Não ficaria contente ao saber que tu tem dificuldades de colocar toda tua linda teoria filosófica em prática.

Thiago Coronato Nunes disse...

Pim, minha caríssima...
Minha paciente não era tão inculta como posso ter deixado parecer em meus escritos. Pelo contrário, era bem letrada. E não fiz o comentário sobre as sondas implantadas como brincadeira para descontrair... ou para aterrorizar. Isso é sim uma possibilidade. Existe vida em outros planetas, eles nos visitam, e estudam a nós como fazemos com nossos ratinhos de laboratório. Infelizmente é fato. Leia a respeito! Há literatura vasta e séria sobre o tema! Se há 10 estudo medicina, há mais de 20 estudo ufologia! E detalhe, na UPA atendo desde o paupérrimos a ricos empresários que não pagam pela saúde privada. De analfabetos a pós-doutores.
E nunca esqueça: existem mais mistérios entre o céu e a Terra do que pode imaginar sua vã filosofia. Sempre medi minhas palavras, seu o quanto posso passar ou não uma informação e o impacto que ela pode causar. Mas nunca deixarei de divulgar certas verdades, por muitos sempre omitidas.
Beijo grande! Thiago Coronato.

Anônimo disse...

Thiago, você sempre foi notavelmente brilhante.

Dentre aqueles possuidores de luzidia inteligência, muitos são os vencidos por sua própria luz, que se deixam cegar por seu halo ainda grosseiro. A faculdade de discernir, ainda que pouca, alcançada a muito custo ao longo de inúmeras vidas não pode ser uma alavanca que te leve à soberba, igualando-te aqueles que muito se impressionam consigo mesmos.

O que li aqui me quedou boquiaberto. Tanto o relato da consulta quanto teu comentário.
A primeira: um equívoco. Crenças pessoais não fazem parte do atendimento médico a não ser que encontrem terreno fértil, ainda assim com muita cautela. Dentro de um consultório és responsável por difundir ciência, não a persuadir outrem a tuas convicções íntimas. Erro crasso. Cego.
Quanto ao comentário, falas de verdades. Tuas verdades. E pra quem tem o interesse de ouvi-las.
Julgas-te sabedor de verdades, do quanto mede tuas palavras, da eficácia da transmissão de tuas informações. Thiago, meu caro, és pequenino no entender de tantas coisas (senão, cá na Terra não estaria). A começar pelo entender de si próprio. Até o fim dessa vida tu vais te arrepender de tantas palavras que pesou pouco ou muito, disse ou deixou de dizer. Como sentencia que és perfeito no transmitir de teu ideário como fizeste acima?
Serenidade, Thiago. Põe-te pequeno para que a vida te enalteça.

Atenção igual se faz necessária na prática adquirida nestes plantões de emergência tão comuns à tua época de vida profissional.

Epistaxe e hipertensão não guardam relação importante, como se sabe há muitos anos. Digo, como estudiosos sabem há muitos anos. A massa plantonista repetidora de condutas culturalizadas pela ignorância não sabe.

Atente:
Estudo de Porto Alegre de 2003 com 1174 indivíduos associou epistaxe com HAS numa razão de chance de 1,24. Na associação de epistaxe nos últimos 6 meses com HAS o OR foi de 0,79. Nada importante.
Associação fortemente positiva para rinite alérgica.
O estudo de Viena (2000), um dos poucos que corroboram a associação, é de péssima qualidade.
Estudo Chileno de 2002 com 2100 participantes (1052 normotensos e 1048 hipertensos) comparou a prevalência de sinais e sintomas atribuídos à hipertensão em ambos os grupos, encontrando valores de 11,6% e 11% de epistaxe em normo e hipertensos, respectivamente.


Serenidade, Coronato, pois engatinhas na caminhada da vida.